Eu tenho medo porque sou mulher


É difícil escrever sobre isso. Pensei em muitas maneiras de começar. Ontem, 25/05/2016, me deparei com vários textos no Facebook sobre o caso de uma menina do Rio que foi dopada e estuprada por 30 homens. Já não bastasse tal desgraça, ela ainda foi exposta por um perfil no Twitter. O vídeo e as fotos mostrando o corpo dela machucado, inclusive a genital, circularam pela web, e então muita gente começou a se mobilizar pra denunciar o perfil e levar o caso até a polícia. Primeiramente, aqui vai um pedido: se você tem esse vídeo e essas fotos, por favor, não poste novamente. Não mostre a outras pessoas. Não seja a pessoa que vai dar continuidade à exposição de alguém que passou por algo tão humilhante e desumano.

Resolvi escrever esse texto simplesmente porque sou mulher. Toda vez que tenho que sair de casa sozinha, respiro fundo e peço a Deus com todas as forças pra que nada aconteça comigo. Penso nas minhas amigas, que trabalham, estudam e voltam pra casa tarde. Penso na minha mãe, que trabalha fora. Penso nas mulheres do meu círculo de convívio e fico com o coração apertado, esperando que todas retornem a seus lares em segurança também. É claro que também penso nos homens que amo, afinal, eles também estão expostos à violência em geral quando saem, assim como todo mundo. Mas como sou mulher, sei que a gente tem um pouco mais de preocupação. Não é simplesmente o medo de assalto, de bala perdida e o que tem de mais comum que vemos nos noticiários.

Nós, mulheres, temos um medo que vai mais além. É o medo de o assalto passar para um estupro porque o bandido, não satisfeito com o assalto, quer outro tipo de satisfação. É o planejamento diário que a gente faz quando pega um transporte público e resolve sentar na cadeira do corredor, onde é mais quente (no caso da minha cidade, 95% dos ônibus não possuem ar-condicionado) e mais desconfortável porque um homem pode sentar do seu lado, te prender ali, te ameaçar e abusar de você sem ninguém ver (e mesmo quando veem, raramente fazem algo sobre isso). É não sair de noite com os meus amigos porque não vou ter companhia pra voltar pra casa, mesmo que eu volte às 22h e de ônibus, por temer o que pode acontecer no caminho. Ouço (na esmagadora maioria das vezes, de homens) que sou fresca, preocupada demais, maluca... mas a verdade é que só a gente sabe o que passa nas nossas cabeças todos os dias quando temos que seguir a rotina. Faço da minha missão diária vigiar todas as mulheres que estão perto de mim pra conseguir perceber alguma situação estranha e, assim, tentar ajudar de alguma forma para livrá-las disso. Porque, sinceramente, ninguém merece ter o juízo perturbado por alguém que acha que tem algum poder sobre você simplesmente porque você é mulher e deve satisfazê-lo. Só nós, mulheres, sabemos o que é recear esse tipo de situação diariamente.

No caso da menina que citei no início do post, fiquei transtornada ao me deparar com tanta falta de empatia e humanidade nas respostas às postagens falando sobre o assunto. Era de gente tirando sarro da situação até gente falando que ela merecia porque conhecia a menina e ela gostava de sair com vários caras. Fiquei me perguntando como alguém conseguia achar um motivo pra que essa atitude covarde fosse justificável.


Eu só peço pra você, homem, que provavelmente nunca passou por uma situação assim, que tenha empatia e entenda nossos medos. Os medos da sua namorada, da sua amiga, da sua mãe, da sua filha. Pra nós, qualquer homem que está perto gera um sentimento de medo e ameaça até se provar o contrário. A gente nunca sabe quem pode ser capaz de algo assim. Se você vir alguma mulher numa situação esquisita com um homem perto, pergunte se precisa de ajuda, se passe por um amigo dela porque isso pode salvar uma vida. Se alguma mulher do seu círculo social te pedir que a leve em algum lugar, ou dizer que não vai te encontrar por medo de andar sozinha, por favor, seja gentil e compreenda. Não caçoe. Não a chame de histérica ou maluca. Você não vive o medo de uma mulher.

8 comentários:

  1. Adorei o texto, reflete perfeitamente a situação que vivemos, que infelizmente é medo constante.

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  2. Eu não vivo o medo de uma mulher mas chorei horrores com o texto. Me deixa ainda mais enojado o fato de que além do que ter acontecido, vários homens por aí estão dando piti por serem generalizados com estupradores. Aos caras que estão lendo isso: parem de mitificar o fato de que foi um homem que fez o que fez (um não, 30 ainda por cima). Foi homem sim. Foi homem como tu, como eu. Tenham no mínimo a empatia como a Mari disse de se aceitar que isso foi causado por um semelhante. E o assunto aqui é a atrocidade que foi feita contra a menina e não o fato de você se doer por ser comparado aos estupradores, porque no fim das contas, SOMOS TODOS HOMENS. Se nosso semelhante o fez, temos que carregar a culpa sim. Eu sinto até vergonha de ser homem numa hora dessas.

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    1. É exatamente isso. É preciso que entendam que a gente generaliza assim porque, na rua, ninguém tem cara de que vai fazer algo ruim com você. Por isso o medo constante. Seu comentário me emocionou mais ainda ♥

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  3. Ah sem contar esse caso do abuso, é horrível, desumano, é uma violação de corpo e mente, pq quem passa por isso fica marcada, traumatizada, acaba com a vida de uma pessoa, e o pior de tudo é que tem gnt que acha que a pessoa merece, agora me diz: que merece essa violação? Esse sofrimento?

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    1. Pois é, Nat... NINGUÉM merece isso, seja por qualquer motivo. E o pior é que ainda dizem que não devemos andar sozinhas, andar de roupa curta, sair tarde... quando, na verdade, deveria haver uma mobilização geral para que criassem projetos que garantissem mais nossa segurança nas ruas.

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  4. Ah sem contar esse caso do abuso, é horrível, desumano, é uma violação de corpo e mente, pq quem passa por isso fica marcada, traumatizada, acaba com a vida de uma pessoa, e o pior de tudo é que tem gnt que acha que a pessoa merece, agora me diz: que merece essa violação? Esse sofrimento?

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  5. Essa sensação de sair na rua com medo, assustada, e não ter a liberdade de ir e vir é, sem dúvidas, esmagadora. Muito triste pelo que aconteceu. Muito bom o seu texto!

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    1. É horrível mesmo... só entende quem passa por isso. Obrigada!

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